Pressione ESC para fechar

Poder de requisição da Defensoria Pública: instrumento de acesso à justiça

Todos os dias defensoras e defensores públicos atendem milhares de pessoas em situações de vulnerabilidades proporcionando a elas o direito constitucional de acesso à justiça.

A Defensoria Pública é Instituição que tem, por destinação constitucional, a função de orientação jurídica, de promoção dos direitos humanos e de defesa, nos âmbitos judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita aos necessitados, na forma do inciso LXXIV, art. 5º, da Constituição Federal.

Nesse sentido, é essencial apontarmos o pleno reconhecimento da autonomia administrativa e funcional da Defensoria Pública desde a sua previsão constitucional no artigo 134, reforçada pelas Emendas Constitucionais nº 45 de 2004, nº 69 de 2012 e nº 74 de 2013, bem como a expressa previsão pela sua expansão, prevista na Emenda Constitucional nº 80 de 2014.

Anote-se, ainda, que esta última conferiu status constitucional às atribuições e funções essenciais da Instituição em nome dos objetivos da primazia da dignidade da pessoa humana e redução das desigualdades sociais, da afirmação do Estado Democrático de Direito, da prevalência e efetividade dos direitos humanos e da garantia dos princípios da ampla defesa e do contraditório (art. 3-A da Lei Complementar 80 de 2014).

Importa ressaltar que o conceito de vulnerabilidade, meramente no aspecto econômico, está há muito ultrapassado e hoje é pacífico que a Defensoria Pública realiza um papel de verdadeira guardiã dos vulneráveis, tutelando segmentos da sociedade como, por exemplo, as pessoas com deficiência, idosas, enfermos, pessoas em situação de rua, dentre outros grupos vulnerabilizados.

Muitas destas pessoas que buscam a Instituição estão tão fragilizadas do ponto de vista econômico e social, que sequer têm condição de diligenciar para conseguir os documentos necessários para propositura das demandas.

Para sanar essa deficiência e possibilitar, assim, o pleno acesso à justiça, é que defensoras e defensores públicos fazem uso do chamado “poder de requisição”. Tal prerrogativa concede à Defensoria Pública a possibilidade de requisitar às autoridades, agentes públicos e entidades privadas exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências necessárias ao exercício de suas atribuições, conforme prevê a LC 80/94, de modo a salvaguardar os interesses dos hipervulneráveis que são atendidos pela instituição.

O instituto é tema de diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, que estão na pauta de julgamento no Supremo Tribunal Federal. A Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP) é amicus curiae nas ações e atua pela manutenção desse instrumento na certeza de que não será possível que defensoras e defensores públicos em todo país defendam milhões de brasileiros carentes sem esse instrumento jurídico.

Para a entidade, o “poder de requisição” não é um benefício para a pessoa da defensora e do defensor público; não o torna um “super advogado”.

A concessão de tal prerrogativa aos membros da instituição confere concretude ao princípio da isonomia e promove o acesso à justiça.

A prerrogativa de requisição conferida aos defensores públicos implica não só na redução de desigualdades sociais e na defesa dos direitos humanos e dos hipossuficientes, mas também, em relevantes causas sociais e coletivas em que o poder de requisição é determinante, por exemplo: na defesa do meio ambiente, consumidor, bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer interesse difuso e coletivo, por infração à ordem econômica, à ordem urbanística, à honra ou dignidade de grupos raciais, étnicos e religiosos e ao patrimônio público e social, que são as hipóteses autorizadoras da ação civil pública (Lei nº 7.347/1985), para as quais a Defensoria Pública é legitimada ativa (artigo 5º, II).

Observa-se, portanto, que o ponto em debate se refere a prerrogativa fundamental da missão constitucional de defensoras e defensores públicos, principalmente na atuação coletiva e extrajudicial da Instituição que beneficiam um grande número de pessoas, sendo preciso ter acesso a muitas providências que tornam necessário o poder de requisição. O impacto disso é a redução de custos para o processo.

A possível retirada da prerrogativa de requisição de defensoras e defensores públicos causará verdadeiro retrocesso para a atuação constitucional da Defensoria Pública e impactará o acesso à justiça de milhares de cidadãos em situações de vulnerabilidades. Além do que isso aumentaria o número de ações preparatórias, causando maior sobrecarga ao Judiciário.

Em meio à pandemia causada pelo coronavírus, muitas famílias tiveram queda drástica de rendimentos e muitos passam por grave crise decorrente da perda de familiares queridos.

Durante o auge da pandemia, muitas famílias precisaram recorrer à Defensoria Pública para obterem atendimento médico, vagas em UTI e até mesmo a prestação de serviços essenciais que foram prejudicados com a crise geral vivida no nosso país. Caso essas famílias tivessem que se preocupar em ter dinheiro para pagar um despachante para conseguir algum documento necessário para propor a demanda judicial, certamente não teriam o devido acesso à justiça, acentuando ainda mais as suas vulnerabilidades e, por consequência, muitas vidas teriam sido perdidas.

RIVANA RICARTE – Presidenta da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP).

Reprodução: Jota.info

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *