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Defensor Público associado Dr. Fernando Eurico apresenta sua visão sobre caso do Lixão de Pinheiro, que ganhou notoriedade internacional após um vídeo feito por ele.

Nas últimas semanas, uma história triste e comovente tomou conta da internet e dos noticiários: a situação da comunidade que vive em um lixão na cidade de Pinheiro, no Maranhão. O caso chamou a atenção após uma foto de um garoto chamado Gabriel, de 12 anos, viralizar nas redes sociais, pois, em meio ao lixão, ele recolhia uma árvore de Natal e levava para casa.

Gabriel, de 12 anos. (Reprodução: João Paulo Guimarães)

O registro foi feito pelo fotógrafo paraense João Paulo Guimarães, que foi levado ao local após a postagem de um vídeo feito pelo defensor público maranhense Fernando Eurico Arruda. O alcance nacional da foto se deu após o Padre Júlio Lancelloti, que tem grande influencia no Instagram por conta das causas sociais em que atua, postar a imagem no seu perfil. A partir daí, o que era para ser apenas mais um relato da pobreza no Brasil, tornou-se o começo para uma mudança na vida de diversas famílias de catadores que viviam no lixão em Pinheiro.

O caso alcançou a principal emissora de televisão do Brasil, a Rede Globo, sendo feito uma reportagem especial no Fantástico, em que o defensor público Fernando Eurico também participou com o relato sobre a situação daquelas pessoas.

Formado em Direito no ano de 2004 pela Universidade Federal do Maranhão, Fernando Eurico Arruda é uma das figuras principais que ajudaram a tornar público o que constantemente tentam invisibilizar: a pobreza, a fome e as condições subumanas vivadas por milhares de famílias no país.

Em sua trajetória profissional, ele foi analista judiciário do Poder Judiciário do Estado do Maranhão, Defensor Público do Estado do Pará e, desde 2018, é Defensor Público do Estado do Maranhão.

Defensor Público Eurico Arruda. (Reprodução: @euricoarrudafilho)

A carreira, que é essencial para a proteção e garantia do direito dos mais pobres no país, também tem tamanha importância na vida do defensor público Fernando Eurico, que vê nela um instrumento de mudança social:

“Ser defensor público me trouxe a sensibilidade para identificar as mazelas sociais e lutar para combatê-las. Quando me deparo com uma pessoa em estado de pobreza e a ajudo a transformar sua vida, isso só me faz crescer moral e espiritualmente. A defensoria me fez acreditar que pode haver mudança social. Para isso, fundamentalmente devemos cultivar esperança e otimismo os quais são molas propulsoras para que o excluído saia da situação de pobreza. Quando o defensor, pelos instrumentos legais que dispõe, consegue modificar, não só a vida de um, mas de uma coletividade, o sentimento é de satisfação. Tornei-me mais humano e o sentimento de justiça é algo pujante no meu íntimo”.

A relação dele com a comunidade veio desde antes da história comovente de Gabriel. Ele já lutava pela melhoria na qualidade de vida das famílias de catadores do lixão em Pinheiro, trabalhando para que fosse criada a Associação de Catadores, que iria garantir uma renda mínima para aquela população. Para dar mais força ainda nessa batalha, resolveu gravar o vídeo para que a situação vivida ali fosse vista por mais pessoas.

“Tinha o pressentimento de que a “viralização” do vídeo me ajudaria a transformar a vida daquelas pessoas, o que, de fato, já está acontecendo. O poder municipal já instituiu uma renda mínima e cesta básica mensais para cada catador. Através de nossa articulação, a Secretaria Estadual de Trabalho e Economia Solidária já começou a cadastrar os catadores para se alimentarem no restaurante popular. Já conseguimos a sede provisória da associação. O poder público municipal já vai doar um terreno para a associação. Muitas conquistas ainda virão.”, declarou o defensor público.

Após a exposição do vídeo, da grande repercussão causada graças aos registros feitos por Fernando e pelo fotógrafo João Paulo, o defensor público observa como acreditava ser visto ao ter os primeiros contatos com os catadores do lixão e como eles o viam após suas vidas serem contadas para todo o país:

“Quando comecei a visitar a comunidade, via nos catadores de lixo uma incredulidade e uma perplexidade por eles não acreditarem que alguém que representa uma instituição pública pudesse ir ao local. Eu sempre lhes dizia: acreditem na defensoria. Já prestes a acontecer a audiência pública promovida pela Defensoria, eu lhes perguntava o que estavam achando daquilo tudo. Eles me diziam que estavam realizados e eu lhes dizia que nunca os abandonaria. Até acredito que eles me enxergam como messias. Após o dia que filmei o vídeo do lixão que viralizou, a presidente da associação dos catadores, Ana Kelys, disse à Secretária de Direitos Humanos de Pinheiro, Bianca Kelly, que eu era um enviado de Deus para eles. Foi se consolidando minha amizade com a comunidade e hoje tenho uma relação que ultrapassou o lado profissional”.

Defensor Público Eurico Arruda. (Reprodução: @euricoarrudafilho)

E tratando das fronteiras entre o lado profissional e o pessoal, Fernando declara que apenas a racionalidade pura não é capaz de garantir o que foi feito por essas famílias. Para ele, sentimento e razão são como unha e carne em atuações da Defensoria Pública:

“Não se pode ser somente racional para fazer o que fiz. Ser defensor público é amar o pobre. É ser irreverente e muitas vezes atrevido. A defensoria oxigena um sistema que faz o mesmo do mesmo. A força viva da Defensoria está em inspirar o cheiro do povo. No caso de Gabriel, emoção e profissão se unem como unha e carne. Quando lidamos com um ser humano em estado de desgraça, deixamos a razão para agirmos com coração. A partir disso, utilizamos nossa função pública para a transformação social.”

Como um profissional que luta pelos direitos dos que mais necessitam, o defensor público Fernando Arruda entende quais ações devem ser tomadas para que os catadores dessas regiões deixem de levar uma vida de extrema pobreza e, muitas vezes, degradante e humilhante:

“Devem ser implementadas as políticas públicas da Política Nacional de Resíduos Sólidos estabelecidas pela Lei 12.305/10, a qual consagra todos os direitos dos catadores. O poder público municipal, o qual muitas vezes desconhece a lei, deve instituir a coleta seletiva através de uma central de triagem para levar aos catadores os materiais que podem ser reutilizados e reciclados. Não é simplesmente criar aterro sanitário. Tem que haver a inclusão dos catadores nesse circuito econômico para que eles tenham autonomia através de uma associação ou cooperativa. A eles deve ser dado treinamento para utilizarem a estruturação maquinária para serem aparelhados a trabalharem com a reciclagem, pois não podem viver somente de assistencialismo. O trabalho é sempre junto com as prefeituras às quais são dispostos vários recursos federais para essas políticas públicas. Com o Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico (Lei 14.026/2020), a execução de ações direcionadas à reutilização, reciclagem e valorização dos resíduos sólidos deve ser efetivada com a participação dos catadores, não de empresas privadas de reciclagem. É nesse sentido que posso dizer que assim se resgatará uma dívida histórica com os catadores e aos quais será concretizada uma igualdade material.”

A ação iniciada por Fernando Arruda fez com que, a partir do caso do jovem Gabriel, cerca de 500 pessoas saíssem do estado de extrema miséria e pudessem, finalmente, viver dignamente. O registro feito pelo defensor também fez também com que essa história ganhasse não apenas o Brasil, mas todo o mundo. Jornais como El País, a agência de notícias Agence France-Presse e diversos sites europeus já compartilham essa história internacionalmente, garantindo visibilidade a um problema que deveria ser uma preocupação de todos nós.

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